Vergonha e a estratégia de “Regressão”
Semana passada acredito ter dado um passo importante para minha autoconfiança, ainda que, na prática, pareça pequeno. Desde criança lido com aceitação do meu corpo. Já fui um menino bem gordinho, “estiquei” e virei um adolescente bem magro, engordei até os 100 kg na fase adulta e agora estou magro como nunca pesando 68 kg. As variações de peso tem suas próprias explicações, mas uma constante é que em nenhuma dessas fases estive bem com minha condição, sempre muito tímido, achava que a confiança viria quando eu estivesse do outro lado, ora mais gordo, ora mais magro, mas nunca onde eu já estava. Bullying, comentários inapropriados, comparação excessiva e crenças limitantes sobre autoestima completavam essa “obra”.
Fiz natação bem pequeno e depois disso nunca mais. Afinal, como o Rodrigo tímido, desconfortável com o próprio corpo usaria uma sunga? Praia e piscina sempre de bermuda e se possível de camisa também. Aliás, adorei a moda da camisa UV, me proteger do sol nunca fez tanto sentido. Esse era um assunto que deixei intocado até praticamente 2 meses atrás quando tive Chikungunya. Como sequela, fiquei com dores articulares fortes e escutei, resumindo bastante, que a solução de longo prazo é se exercitar. No início, atividades de baixo impacto e “seria ótimo fazer natação”.
Vale uma pausa aqui.
Quero comentar que a leitura de assuntos diversos, em especial histórias e comportamento humano, foi com o passar do tempo me proporcionando visões diferentes e me dando ferramentas para lidar com as situações da vida. “Não existe isso de adulto, estão todos se virando”, “O medo perde seu poder quando começamos a investigá-lo”, “Confiança se adquire na prática”. Para citar algumas mensagens que ficaram marcadas na minha cabeça. Se fosse a alguns anos atrás, eu diria sem pensar: “Natação?! Quais as outras opções?”. Dessa vez peguei um caminho diferente.
Você provavelmente é familiar com a estratégia de quebrar um problema maior em problemas menores, certo? Uma variação dela é usada na prática esportiva e se chama progressão e regressão do exercício. Se trata de modificar as variáveis do exercício (intensidade, carga, amplitude do movimento, altura, velocidade, posição) para torná-lo compatível com a condição atual da pessoa, como um degrau para um dia se conseguir fazer o exercício padrão. Um exemplo comum de regressão é a flexão de braço (“marinheiro”) com os joelhos no chão para quem ainda não consegue fazer sem esse apoio. Inclusive, é de uma estupidez tremenda do machismo associar isso a “flexão de mulher”, além de subestimar as mulheres atrasa o desenvolvimento de homens sedentários que ficam tentando fazer um exercício inadequado a condição deles.
Voltando a minha história com a natação. Eis o que fiz, na maior parte inconsciente do processo, mas seguindo o que minha mente acumuladora de informações estava me dizendo para fazer.
A academia que tenho acesso já oferece natação, então fui lá descobrir horários e quais os itens obrigatórios. Fiquei contente ao saber que poderia ser uma bermuda térmica ao invés de sunga (segura essa informação). Passei uns dias olhando na internet valores e tipos de acessórios. Num outro dia conversei diretamente com um dos instrutores para confirmar algumas informações e falar sobre os tipos de treino. Fui até a loja comprar os acessórios com uma pessoa de confiança (minha esposa). Peguei “só para experimentar” tanto bermudas quanto sungas. Com incentivo dela, reconheci que as sungas ficam melhores em mim do que as bermudas. Ao me ver com todos os acessórios não me achei tão diferente assim de nadadores profissionais.
_No provador, me senti bem pela primeira vez. _
No dia que pretendia ir nadar, aparei um pouco os pelos para me sentir melhor, coloquei a sunga por baixo e disse a mim mesmo que assim que surgisse uma oportunidade iria treinar. Ainda estava vencendo a vergonha e acabei não indo nesse dia. Nesse mesmo dia, minha filha sabendo que eu estava de sunga pegou um tapete azul daqueles de ioga e me chamou para brincar de nadar no “mar”, não pensei muito e fui aproveitar com ela.
Em casa, me senti bem pela segunda vez.
O dia seguinte era um dia em que o uso da piscina era livre e me pareceu uma oportunidade para avaliar minha condição física antes de um treino mais formal. Por ser um sábado, e normalmente fazermos as coisas mais juntos, perguntei, “despretensiosamente”, se elas não queriam ir comigo. Com apoio moral e sem mais outras “desculpas”, fui finalmente nadar.
Engraçado foi, após ter nadado uns 50 metros, ter a impressão que a vergonha por si só era o problema menor, porque agora eu precisava enfrentar uma atividade física que exigia bastante do corpo e o meu estava próximo do zero numa escala de preparo. Quando saí da piscina, exausto após 15 minutos e 200 metros tentando nadar, o destino me prega uma peça e encontramos um casal conhecido nosso. Porque não basta ter vergonha de ficar de sunga, tem que na primeira vez já encontrar alguém.
O pior parecia ter passado, eu estava bem comigo mesmo.
Penso agora que o ato que desperta a vergonha, visto como uma barreira a ser superada, também pode passar por uma regressão, no sentido de repeti-lo ou simulá-lo numa condição mais controlada, bem como quebrado em atos ou ações menores que desfazem as ressalvas que temos. Não precisamos tentar matar mais de um leão por dia, nem precisa ser um leão e nem precisamos fazer isso sozinhos. Cada um pode seguir no seu próprio ritmo e com ajuda adequada.
É importante também ter clareza e criar uma certa resiliência para comentários que não nos dão nenhuma ferramenta prática para resolver nossos problemas. Escutar um “isso é besteira rapaz” ou “ter vergonha é coisa de criança” nos joga para um lugar de incapacidade e até paradoxal, porque se sou adulto e tenho dificuldade com algo que remete a uma criança, algo de quebrado deve existir em mim. Fuja dessas opiniões rasas e valide suas limitações.
Quais os próximos passos? Agora é hora de aplicar a regressão à natação. A capa desse texto é minha tentativa de visualizar os pontos de dor pós-prática e os movimentos ou posturas que pareceram inadequados. Ajudou demais ter minha esposa gravando alguns segundos meus nadando (te amo!). Com isso em mãos, posso ir atrás de orientação e conhecimento para desenvolver técnica e preparo, seguindo na medida do possível o caminho da prática deliberada.