Tudo começa à 7 anos atrás. Em determinado ponto, passo a me sentir mal diariamente com comida. Descubro que sou intolerante à lactose e em seguida, depois de meses sem ver melhoras nos sintomas, sou diagnosticado com síndrome do intestino irritável. Leio que não há “cura”, há ajuste e adaptação. Muitas das mudanças que eu viria a adotar na minha vida tiveram início naquele ano de 2015. No ano seguinte, escrevo meu primeiro texto, em inglês, sobre como foi esse período da minha vida. Os sintomas, a descoberta, o isolamento e como minha mente mudou ali.

Escrevi em inglês para treinar? Sim. Escrevi para provar a mim mesmo que conseguia escrever em inglês? Sim. Gostei de escrever em inglês? Sim. Recebi bons feedbacks? Sim. Mas se eu for tirando camada à camada de motivos que disse a mim mesmo, talvez eu só tivesse vergonha ou medo de que a família ou conhecidos lessem o que estava ali. De uma forma ou de outra, senti raiva e ao mesmo tempo despido, havia uma quebra de quem era o Rodrigo antes e o Rodrigo depois das restrições alimentares.

Inclusive, é estranho olhar novamente para esse assunto, parece que o que digo aqui não é novo, mas talvez seja só porque essas idéias estão comigo à anos.

Ser descendente de italiano, neto de padeiro, apreciar todos os tipos de queijo, pães, pizzas e massas me definia, de forma mais profunda do que imaginava. Tomar e fazer cervejas artesanais a mais de 3 anos na época também me definia, de forma mais superficial. Não sei se faz sentido pra você, mas acho que nos agarramos à detalhes da nossa história, nossos gostos, nossos hobbies para dizer quem somos e qual nosso lugar e papel no mundo. Ou talvez seja só nosso desejo de ser e parecer coerentes que reforça nossas escolhas dia após dia, mês após mês, ano após ano sem nos darmos conta, como argumentado por Robert Cialdini em Armas da Persuasão 2.0 (Capítulo 7 - Compromisso e Coerência).

De um jeito ou de outro, o plano nunca segue como esperamos e perdemos aquele “detalhe” que achamos que nos define, que nos dá identidade.


Você é ou só vive assim a muito tempo?

“Sou programador”, aí você assume um papel de liderança que te faz olhar mais para pessoas do que para o código. “Sou personal trainer”, aí depois de algumas decepções descobre que sua paixão é na verdade fazer doces. “Sou vegano”, aí você descobre uma condição de saúde que te força a voltar a consumir carne por orientação médica. “Sou engraçada e super alto astral” e aí você perde o pai, a mãe, um filho e não consegue achar motivos para sorrir.

Não é uma questão de comparar transições ou perdas, por favor. Lembro do trecho do Pequeno Príncipe sobre o que torna uma rosa especial e outras, idênticas, nem tanto. A única diferença entre elas é o tempo. O tempo que o Pequeno Príncipe dedicou a ela. Talvez dedicar tempo à um estilo de vida, atividades e pessoas nos defina mesmo. Meu ponto é: e se você de repente não tiver mais aquilo em sua vida?

Um amigo que fez cirurgia bariátrica comentou que o número de pacientes que tentam suicídio ou praticam automutiliação no pós-operatório é preocupante e normalmente se recomenda acompanhamento psicológico. São muitas mudanças ao mesmo tempo: dieta, corpo, relações. Será que não se identificam como eles mesmos mais? Quantas facetas de suas identidades foram quebradas de uma só vez?

A ausência da característica que perdeu pode acabar te levando a acreditar que aquele jeito de viver é o seu “novo eu”. Aconteceu comigo. Quantas vezes não me senti atacado no nível de identidade quando alguém, que na teoria me conhece, chega e fala “bora ali comer naquele restaurante que serve tudo no leite, com nata, com queijo ralado por cima e no molho branco pra acompanhar?” Ou quando recebo de brinde um chocolate ao leite? Ou quando eu mesmo vou num restaurante que diz ter tudo sem lactose, mas quando pergunto “tá em falta”. É o que, modinha? Marketing? 😑

Essa semana fui a um nutrólogo reavaliar meu quadro clínico e o que ele me disse não poderia estar mais em sintonia com o que venho pensando, algo mais ou menos assim:

“Rodrigo, precisamos desassociar quem é você da sua condição de saúde. Você está a tanto tempo nisso que já existe uma identificação com o problema. Você conhece o Rodrigo bem e estável?

Não, acho que não conheço esse Rodrigo. Só sei que ao passar dos anos, mesmo sem consciência total desse processo, fui colocando em questão coisas que antes eu tinha certeza ser ou não ser. A vida toda disse a mim mesmo que não gostava de ler. Porque? Dizia a mim mesmo que não queria ser uma pessoa saudável. Porque? Nenhuma dessas afirmações tinha uma razão específica e só estavam ali a muito tempo em minha cabeça por reforço repetitivo e diário das minhas ações e escolhas.

“Nós somos o que repetidamente fazemos”, disse o escritor Will Durant ao analisar as idéias de Aristóteles sobre virtudes e ações. Em seguida complementa: “Logo, excelência não é um ato, mas sim um hábito”

No livro Hábitos Atômicos, James Clear argumenta que se quiser construir hábitos que durem é preciso que eles estejam alinhados com sua identidade: aquilo que acredita, sua visão de mundo, sua autoimagem, seus julgamentos sobre você e os outros. Conclui então que é sábio não se “apegar” muito a uma versão especifica de você, assim poderá focar no tipo de pessoa que gostaria de se tornar.


Princípios antes de rótulos

Já viu aquela pergunta “descreva quem você é sem dizer o que você faz”? Nada fácil. Até a data desse post não tenho um “sobre” aqui no site e cada rede social minha tem uma descrição diferente que vai mudar toda vez que eu parar para escrever 😅. Por um lado sinto que me definir me limita e por outro sinto a pressão de quem diz que se você não é especialista ninguém vai querer te ouvir 🤷🏻‍♂️

Recentemente comprei e finalizei 2 cadernos de exercícios da coleção “Praticando o bem-estar”, o de autoestima e o de inteligência emocional. Ambos foram indicações da Profa. Kedma Nascimento da FDC que conheci através da academia de líderes do CESAR. Não achei extraordinários, mas são bem curtinhos e práticos, como se propõem mesmo.

Está mais claro pra mim a necessidade de dar ouvidos às minhas emoções, decifrar quais necessidades fundamentais não estão sendo atendidas para então conseguir estabelecer princípios e valores que me deem direção. Não importando muito, assim, qual minha versão atual e quem sabe na melhor das hipóteses me permitindo “navegar” por definições convenientes ao momento.

Me identifiquei, por exemplo, com a seguinte fala do Robert Rodriguez que é diretor, roteirista e produtor de filmes como El Mariachi, Pequenos Espiões e Sin City:

“Quando as pessoas dizem que eu faço coisas demais, ‘Você é músico, pintor, compositor, diretor de fotografia, montador. Você é tantas coisas diferentes.’, respondo: ‘Não, eu só faço uma coisa, vivo uma vida criativa”

Gosto de escrever, tocar violão, desenhar, editar vídeos, fazer apresentações atraentes e não sei se um dia tirarei meu sustento de alguma dessas atividades individualmente. Quando alguém ou eu mesmo questiono porque continuo fazendo qualquer uma delas penso nessa frase dele. “Quero viver uma vida criativa”. O banner dos meus posts aqui são feitos por mim. O cardápio da confeitaria da minha esposa sou eu que monto. Não sei se os farei para sempre e sinceramente não importa, essas são formas que encontrei no momento de colocar em prática esse princípio.

Uma vez tendo princípios, ou valores se assim preferir, posso revisá-los de tempos e tempos e ver como estou vivendo eles na prática. Afinal, tudo indica que viver de acordo com seus princípios é o que garante uma melhor autoestima.

E você, já descobriu alguns dos príncipios e valores que regem sua vida?


Você tem alguma intolerância alimentar?

Faz um tempo que penso em juntar dicas pra quem tem intolerância alimentar, seja à lactose ou à outros alimentos.

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