Existe uma temperatura da água do banho que me agrada mais que as outras. Nem sempre estou com cabeça ou tempo pra encontrá-la, mas às vezes dou sorte de chegar rápido nela. Assumindo que o aquecedor a gás esteja à 41º e que a válvula esquerda é da água quente e a direita da gelada, por um tempo achei que era universal essa organização, eu giro tudo da esquerda, espero um tempo para esquentar e vou girando aos poucos a da direita, também esperando e sentindo como está entre os movimentos.

Um amigo uma vez usou essa peleja para alcançar a temperatura perfeita do banho numa analogia a sistemas de controle de servomecanismo, nome estranho de uma disciplina que cursamos juntos na universidade de engenharia a mais de 10 anos atrás. Os tempos de espera são necessários, ajudam ao sistema entrar equilíbrio e a você regular a força do próximo movimento. Engraçado como fazemos isso de forma automática.

Uma vez a temperatura alcançada, relaxo. Me sinto transportado à um lugar e tempo bem específicos. Voltando à pé da praia depois de uma manhã de mar, cheio de areia pelo corpo, aquele sol que o nordestino conhece bem. Não há orla, apenas casas coladas na areia e outras não. Antes de chegar ao meu destino, atravesso algumas ruas de barro e outras de asfalto, a sola do pé queima nessas últimas, esqueci de levar o chinelo dessa vez, a visão chega a tremer com o calor que sai do chão.

Finalmente chego na casa, é simples, não sei se alugada por nós, ou emprestada de um conhecido, não tinha idade para me preocupar com isso. Em nada se parece com os resorts ou condomínios que hoje tenho condições de levar a família, nesses existem jardineiros, piscinas, estacionamentos, conveniências com picolés e bebidas refrigeradas. Lá, ao contrário, o terraço é um lugar comum onde estacionam-se os carros, mas também onde as crianças fazem suas aventuras e o tio, pai ou avô de alguém prepara o churrasco para servir a todos ao meio dia. O ‘homi do dudu’ se escuta de longe e é bem aguardado por todos, oferece sabores clássicos, como morango e chocolate, de frutas regionais, como cajá e graviola, e os especiais, como biscoito e leite condensado. As vezes perdíamos o horário dele e me lembro de pensar se ele estava doente ou se teve algum desentendimento conosco, evitando vir na nossa rua, me aborrecia pensar nessa possibilidade.

Por fim, não menos importante, no terraço há A bica. Uma tubulação que parecia sair direto do muro da casa e um chão de pedra lisa bem abaixo da saída. Parada obrigatória de quem acabou de chegar. A agua saía bem gelada, não dava tempo de esquentar. Nessa eu dava pulos de choque térmico e me sentia exposto por tomar banho na frente de todos, mesmo usando roupas de banho. Já o banheiro da casa, esse sim me agradava mais, sua água perfeitamente aquecida pelo sol no caminho da caixa d’água até o banheiro descia pela pele e mandava mensagens calmantes ao corpo, como se sussurrasse “você está bem, você está seguro, pode descansar”. Essa é minha temperatura ideal.