Tenho chorado principalmente com música. Às vezes basta uma transição específica de notas para eu ficar emocionado. Umas das mais recentes foi uma música instrumental que combinou um rock com uma guitarra mais pesada, estilo que gosto, com um saxofone, algo que não estou acostumado a ver. A música se chama “Pan” do artista Plini. Me pegou desprevenido e só depois da quinta vez escutando foi que me acostumei.

Já escutou a música “Hurt” interpretada por Jonnhy Cash? Acho ela linda. Vi um vídeo sobre paternidade com ela de fundo e só de lembrar agora começo a lacrimejar. Outra vez combinamos de ver uma animação no cinema com nossa filha e quando percebo estou com os olhos cheios de lágrimas. A música certa combinada a uma cena de superação, de conquista ou de reconciliação é o suficiente para me tocar. Depois de um tempo, até fiquei me questionando se daria para julgar um filme como bom pela capacidade de nos provocar emoções.

O triste, acho, é que em todas às vezes eu me seguro. Sem sequer olhar ao redor, já estou em alerta se alguém está por perto. Não precisa nem fazer sentido, por exemplo, quando vem uma vontade de chorar no carro e imagino o que o motorista ao lado vai pensar. Falando assim, parece até um absurdo, mas é uma resposta automática que meu corpo aprendeu.

Esses dias percebi em conversas com amigos e colegas que dizemos coisas como: “Rapaz, acho que vou chorar se [ou] quando isso acontecer”.  É como se externalizar nos preparasse a quem sabe conseguir segurar o choro. Em outras situações dizemos em tom de explicação: “A pessoa me contou o que aconteceu e até me emocionei”. Qual o problema de se emocionar? Temos medo de chorar?

Homem não chora”. Escutei demais isso quando era criança, não sei nem mais de quem. Tímido, branquinho, rosado quando envergonhado, neto primogênito de uma família tradicional no interior de Pernambuco, chorar seria a máxima demonstração de vulnerabilidade com consequências para as quais eu não estaria preparado. Nas poucas vezes que não consegui segurar, virei alvo de chacota. Juntando mais tarde com o “Trabalho não é lugar para trazer suas emoções”, estava montado o cenário “perfeito” para gravar e cristalizar na mente o que era socialmente aceito ou não.

Inclusive, a vulnerabilidade dentro do trabalho é muitas vezes explicada afastando a possibilidade do choro, dizendo algo similar à “não significa sair chorando por aí”. Eu entendo. É tão importante trazermos a pauta da vulnerabilidade para dentro do mundo corporativo que desassociá-la ao choro pode ser estratégia de mitigação de risco. Risco do conservadorismo no primeiro sinal de fraqueza rebater com força qualquer investida do tipo.

Talvez tenhamos medo do choro no trabalho justamente por enxergar apenas os extremos do abuso ou os rompantes emocionais. A generalização ou erro de diferenciação, como li do Jordan B. Peterson, ignora as nuances, os graus e graduações, nesse caso, ao que o ato de chorar pode estar associado. Podemos chorar de alegria por uma conquista particularmente difícil ou quando um amigo e colega se vai antes do tempo. Lacrimejar de emoção quando nosso trabalho muda a vida de alguém ou quando descobrimos estar muito enganados e precisamos rever nossos passos. Você vê problema nesses casos? Quantos outros não nos permitimos sentir?

Vi uma palestra semana passada do Dante Freitas com o Renan Hannouche, afirmando que estamos vivendo uma crise de “deflação afetiva” nas empresas e logo depois complementa “Não amar traz sérios prejuízos econômicos”. Nossas relações de trabalho são geralmente pautadas pelo contrato, mas se quisermos ser inovadores mesmo talvez devêssemos construir e fortalecer relações baseadas no afeto. Não vejo como amar sem a presença do choro.

Nos últimos anos, de pandemia e tudo mais que se seguiu, desmistifiquei para mim o significado do choro. Chorar é apenas um mecanismo do cérebro para aliviar tensões. Definitivamente, e de uma vez por todas, não é sinal de fraqueza. É sinal que eu e você somos seres humanos funcionais. Se fossemos mais “espertos emocionalmente” veríamos o chorar inclusive como uma ferramenta para se conectar às emoções, uma bússola apontando para o que é importante investigar.

Longo é o caminho para destreinar o corpo, e o mundo, daquilo que ele aprendeu ser estratégia de sobrevivência.