Essa é uma série de textos em que avalio com quais áreas vale a pena fugir do orçamento para alavancar seu futuro. Se você não viu a introdução com as devidas ressalvas, recomendo fortemente ler antes: link. O texto de hoje é sobre casa ou lar, mas já destaco melhor essa diferença.


Diferente de saúde e aprendizado, pode passar despercebido que nossa casa precisa de investimentos. Até o ponto em que já não aguentamos mais está ali. Para muitos, como foi para mim, investir na casa pode não ser motivo suficiente para estourar o orçamento planejado. A pergunta que venho me fazendo para determinar isso é:

Eu me sinto acolhido em casa?

A pandemia forçou muito de nós a ficar em casa e não me espantou quando muitos embarcaram em longas reformas. Por vezes atrapalhando as infindáveis reuniões de trabalho. Em determinado dia, desci para caminhar e coloquei o episódio #328 do podcast do Murilo Gun com a professora e filósofa Lúcia Helena Galvão (@profluciahelenagalvao). Gosto da filosofia que é prática e separei alguns trechos do que ela fala lá por volta dos minutos 14 e 16:

“… a casa material deveria ser um lugar que você atesoura tudo que faz acreditar em si próprio. Tudo que te fortalece, tudo que te relembra quem você é e a partir desse espaço você recupera autoconfiança. Recupera o valor nas suas próprias ideias e aí você encontra liberdade para soltar e inovar.”

“Hoje nós consideramos lar como um local mais pros outros do que pra nós mesmos. Estamos falando da sua casa física. Aí você chama uma pessoa pra decorar sua casa. Ela coloca as coisas da moda, as coisas que combinam com a cor do estofado. Chega um determinado momento que você se vê estrangeiro dentro da sua própria casa.”

“… O lar externo é um reflexo do lar interno.”

Assim como um terapeuta pode nos fornecer um olhar mais amplo sobre nossos pensamentos, acredito que ocasionalmente precisaremos de um profissional para olhar para nossa casa. Concordo, ainda assim, que simplesmente aceitar as sugestões pode nos deixar numa casa que não nos representa. Fora a sensação de “estrangeiro” comentada, será que uma casa bagunçada e mal cuidada representa um descuido com nós mesmos? O que sei por experiência própria é que desorganização causa ansiedade, estresse e deteriora meu foco.

Não sei com você, mas nunca funcionou jogar a culpa só na minha falta de disciplina para arrumação. Com uma filha pequena e sem diarista, nos vemos aqui divididos entre limpar os experimentos dela, recolher brinquedos em lugares inusitados e procurar a escova de cabelo que nunca está no mesmo lugar. Ao passo que delegamos ao futuro a organização da nossa própria bagunça.


Por onde começar?

Antes de sair comprando ou mudando qualquer coisa, é importante conversar com quem mora com você e estabelecer uma estratégia. Ao conversar com minha esposa, determinamos quais ambientes estavam precisando de ajustes e qual a prioridade entre eles. Igualmente importante é definir um teto de gastos e em quanto tempo pretendemos repor.

Dito isso, você provavelmente precisa de menos coisas do que tem hoje. Vender, doar ou jogar fora o que não atende mais, estilo Marie Kondo, é um caminho. Na hora de escolher, pense o que facilita os bons hábitos e dificulta aqueles que não estão contribuindo. Como diria James Clear, autor de Hábitos Atômicos, todo objeto em casa é um potencial “consumidor de atenção”. Ao simplificar o ambiente também recuperamos atenção para o que importa.

Sugiro focar em vender o que está em bom estado ou que é de marca. O restante vale perguntar à família e amigos se querem ficar com algo e depois partir para doações e descartar aquilo que está difícil de recuperar. Na minha experiência, nossa noção do que não tem mais serventia é desfeita no momento em que você vê o sorriso no rosto de quem acabou de receber um ventilador velho ou uma cadeira que só nos dava dor nas costas. Doe mais.

Passada essa fase, pelo menos no ambiente escolhido, vale partir para as compras.


Comprando com propósito

Minha sugestão é comprar em duas categorias aqui: praticidade e identidade.

Na categoria de praticidade, como o nome sugere, poderíamos ir atrás de móveis e utensílios funcionais. Prateleiras para entrada da casa, sapateiras, organizadores, cestos e lixeiras maiores ajudam bastante. Na categoria de identidade, eu incluiria: arte, memórias, espaço para criatividade ou atividades prazerosas como ler, desenhar, escrever, escutar e tocar música, jogar videogame, etc. Tudo que te relembra quem você é, como disse Lúcia Helena Galvão.

Se você tem crianças, não esqueça delas. A psicóloga e arteterapeuta Bianca Sollero (@biancasollero), que trabalha a mais de 18 anos no estímulo da criatividade nas crianças, diz ser responsabilidade dos pais ou cuidadores otimizar a energia delas. Uma criança muito nova não consegue ajudar muito nas escolhas. Nos resta pensar: meus filhos passam tempo de qualidade no quarto deles? Conseguem brincar sozinhos com seus brinquedos ou materiais disponíveis em casa? Ou estão sempre entendiados e estourando emocionalmente? No último caso, pode ser que eles mesmos não estejam se sentido bem casa.

Todo esse esforço de elaborar as perguntas certas, repassar ou descartar o que não nos atende e comprar com propósito pode trazer retornos inesperados. Melhora no relacionamento, mais gratidão, mais tempo de qualidade em família, mais energia.

Você pode ainda estar reticente quanto a se vale mesmo estourar o orçamento. Eu responderia que quem dita isso é o sentimento. Você se sente bem em casa? Se sim, ótimo, pode ser prudente apenas guardar um dinheiro todo mês para quando isso não for mais verdade. Agora se você não aguenta ver suas coisas e se vê com recorrência procurando o que fazer fora de casa, é o momento de reavaliar.