Lendo sobre os tipos de memória e suas limitações no livro Lifelong Learners, um tópico despertou minha curiosidade: próteses cognitivas e extensões do cérebro. O tema gira em torno de expandir a capacidade do cérebro delegando o que não queremos ocupar relativo à memória ou processamento. Não precisamos ir longe para reconhecer que agendas de contato, bloco de notas, calendários, calculadoras e planilhas podem muito bem estar nessa categoria. Essas coisas só não são próteses, do ponto de vista estritamente médico, pois não estão conectadas ao nosso corpo físico. Do ponto de vista prático, não aguentamos ficar longe do celular.

Na linha mais de um chip mesmo, a empresa Neuralink criada pelo Elon Musk está projetando o primeiro implante neural que permitirá que você controle um computador ou dispositivo móvel em qualquer lugar. Segundo o site deles, “Fios em escala mícron são inseridos em áreas do cérebro que controlam o movimento. Cada fio contém muitos eletrodos e os conecta a um implante, o Link.” Como primeira aplicação dessa tecnologia, planejam ajudar pessoas com tetraplegia, dando-lhes a capacidade de controlar dispositivos externos diretamente com seus cérebros.

Parece história de ficção-científica, não é?

Eu particularmente gosto desse gênero, acho interessante o formato de storytelling que é adotado. Primeiro assume-se um conjunto de avanços ou mudanças complexas (tecnológicas ou sociais) como verdades já bem estabelecidas e com base nelas apresentam possíveis impactos, consequências e por vezes cenários catastróficos. Muitas histórias de ficção-científica já incorporaram de alguma forma próteses cognitivas à narrativa. Alguns exemplos de filmes e séries que me lembro agora são Altered Carbon, Blackmirror e Ghost in the Shell. Se você viu algum desses, talvez concorde que ter cyber-cérebros com informações sendo apresentadas em realidade aumentada, apesar de permitir façanhas aos protagonistas, é no mínimo uma experiência confusa.


De volta ao presente

Essa conversa me lembrou de quando foquei meus estudos em técnicas de produtividade e adotei o termo “segundo cérebro” do método GTD (Gettings Things Done). Esse “segundo cérebro” seria o lugar, físico ou digital, que estariam todos meus projetos e lista de tarefas. De início usei apenas o meio digital com os aplicativos Evernote e Todoist sendo as extensões que ajudavam a gerenciar minhas pendências. Com o passar dos anos percebi que o celular é uma grande fonte de distração e passei a adotar mais o uso do caderno.

Hoje uso o caderno o tanto quanto posso e os benefícios que observo são muitos, não apenas para lista de tarefas, mas como unidade externa de reflexão mesmo. Minha terapeuta agradece 😅

No entanto, não consigo me limitar ao físico. A facilidade de copiar, colar, pesquisar, corrigir é imprescindível para organizar as ideias de um texto, por exemplo. Há outra vertente que é o Figital, que seria a junção do meio físico e digital para tentar aproveitar o melhor de cada um. No campo dos dispositivos, uns meses atrás um amigo me mandou um video de uma espécie de tablet, o reMarkable 2, com tecnologia e-ink similar ao kindle. Achei promissor.

Independentemente do meio, acredito que o nível de distração das extensões cerebrais que escolhemos determinam o quão bem sucedidas são nossas investidas em direção de distinguir o que é realmente prioritário na vida do que é apenas ruído. Essa, para mim, é a máxima da produtividade: investir tempo focado na coisa errada não lhe torna produtivo. Inclusive, aumentar a velocidade com que fazemos tudo pode mascarar ainda mais o real problema.

“A autonomia é necessidade humana inata. Para nos sentirmos motivados, devemos nos perceber responsáveis pelas nossas ações. […] Fazemos, por próprios atos, as coisas acontecerem de modo intencional. [Mas] Esse é um comportamento em declínio na nossa espécie. A agência humana - nome técnico para nossa capacidade de agir - tem sido esmagada por compromissos profissionais, sociais e culturais. Está cada vez mais difícil sermos nós mesmos”. - Conrado Scholochauer, Lifelong Learners, pág. 129

Precisamos de silêncio para descobrimos quem somos e agirmos intencionalmente nessa direção.