Minha mãe trabalhou como vendedora por anos em lojas de sapato, bolsas, jóias e se não me engano até tentou montar sua própria de roupas. Me lembro agora que ela se orgulhava de dizer que batia todas as metas e muitas vezes era a que mais vendia na loja. Comentava como outras vendedoras sentiam inveja dela e também os problemas que isso trazia. Não conversávamos especificamente sobre as técnicas que ela usava para convencer clientes, ou talvez eu fosse novo demais pra lembrar e me interessar, mas obviamente nunca a vi como uma pessoa desonesta.

Ainda assim, durante toda a adolescência e a vida adulta, até poucos anos atrás, tive uma forte objeção com a idéia de vender. Além de ser tímido, acho que figura do vendedor chato e agressivo talvez tenha me levado a crer que vendedores sempre estão querendo me “passar a perna” de alguma forma. Que a pessoa devia ter algum traço de desonestidade pra vender e que em última instância ser persuasivo era algo ruim. Definitivamente não queria ser esse tipo de pessoa.

Alguns anos atrás li o “A mais pura verdade sobre a desonestidade” do Dan Ariely, queria saber o que levava uma pessoa a desviar dinheiro, aceitar propina, furar fila, etc. Aceitar que as pessoas quebram regras de vez em quando era muito difícil pra mim. Não apenas as subjetivas, mas regras e acordos claros. No final das contas, alguns fatores contribuem para desonestidade (como saber que outras pessoas vão se beneficiar, ver outras pessoas sendo desonestas e também se a cultura dá exemplos disso) e outros ajudam a evitá-la (como juramentos e lembretes morais).

Na época achei reveladoras as conclusões do livro, talvez vendedores só fazem o que aprenderam e observaram em outros vendedores. Mas não ajudava muito na minha questão. Só vim entender melhor recentemente após ler o livro “Armas da persuação 2.0” do Robert Cialdini que, por sinal, vai muito além de venda e aborda todas as situações em que tendemos a concordar com outras pessoas, quais os fatores mais determinantes pra isso acontecer e como também se defender.

Mais antes de falar dele, um pouco sobre o racional por trás das nossas ações.


Mais Automático e menos Racional

Para grande maioria dos casos, ir por um caminho ou outro, decidir por uma coisa ou outra, fazer uma coisa ou outra pouco tem haver com o racional por trás da ação. Pra o menino que desde pequeno acordava 5h da manhã pra estudar matemática por diversão, eu no caso, entender isso demorou só umas 3 décadas 😅

Agimos a maior parte do tempo no modo rápido de pensar e não no modo analítico, simplesmente porque custa energia demais analisar todos os aspectos da vida, então nosso cérebro utiliza atalhos pra continuar funcionando de forma econômica, como o vencedor do prêmio Nobel Daniel Kahneman explica em seu livro “Rápido e devagar: Duas formas de pensar”.

Quanto mais leio, mas fica claro como o que acontece “fora da minha tela dos pensamentos”, ou seja, aquilo que não estou ciente influencia meus hábitos, minhas finanças, minhas conversas e meus relacionamentos.

Geralmente não tomamos decisões utilizando nossa capacidade de conclusões complexas, mas sim porque o ambiente nos leva a crer que é o certo, porque queremos retribuir a pessoa que nos pediu algo ou quem sabe porque a pessoa se parece conosco. Estudos indicam que mesmo árbitros esportivos de ligas internacionais, indivíduos selecionados e treinados especificamente para serem imparciais, não estão livres dessas influências (Armas da Persuação 2.0, pág 382).

Vamos entrar no detalhe de algumas delas.


As Armas da Persuação

No livro, o Robert Cialdini divide as principais armas mais usadas para persuadir alguém nas seguintes categorias: Reciprocidade, Afeição, Aprovação Social, Autoridade, Escassez, Compromisso e Coerência e, por fim, Unidade. Abaixo uma breve descrição delas e exemplos relacionados à vendas.

Reciprocidade. Temos a tendência a aceitar um pedido de alguém que nos presenteou ou nos fez um favor antes. O favor ou presente nem precisa ter sido solicitado por nós, nem ser da mesma natureza ou tamanho do pedido feito posteriormente e às vezes basta que seja em forma de concessão. O autor conecta isso com a nossa reação natural de não querer “dever” a ninguém, nos sentimos em dívida quando alguém nos “dá” algo e acabamos reagindo sem pensar a favor do pedido feito. Isso em parte é explicado pela forma como evoluímos como sociedade, fazer favores para a comunidade geralmente era retribuido com proteção e apoio em outras áreas. Talvez não vejamos as comunidades de antigamente hoje em dia, mas a eficácia de dar presentes é invariavelmente validada na prática dos negócios. Exemplos: (comércio online) oferecer descontos aos visitantes para que permaneçam no site; (comércio físico) receber um docinho ou uma amostra grátis na entrada da loja.

Afeição. Preferimos dizer sim para indivíduos de quem gostamos. Podemos gostar por pura atração física, porque a pessoa gosta das mesmas coisas que nós ou porque nos fez um elogio e esse último, acaba sendo relativamente fácil de simular. Exemplos: (comércio online) “Bem-vindo de volta Rodrigo, sentimos sua falta!"; (smartwatches) “Seu treino foi ótimo! Parabéns!”.

Aprovação Social. Esse princípio afirma que tendemos a decidir no que acreditar ou como agir com base no que os outros estão acreditando ou agindo, especialmente em situações de 1) incerteza; 2) quando os indícios vem de muitas pessoas; e 3) quando essas pessoas são semelhantes a nós. Até aprovação social futura pode nos influenciar, caso percebamos uma tendência de mudança de comportamento em outras pessoas. Exemplo: (comércio online e físico) identificar os itens mais populares e com maior tendência de vendas.

Autoridade. As pessoas tendem a reagir à autoridade de forma automática como resposta a símbolos de autoridade, como: títulos, roupas e posses que culturalmente são atribuídas à pessoas importantes, como automóveis caros. Isso é especialmente verdade se vemos a autoridade como confiável, algo que não é tão difícil de ser simulado. Exemplo: (comércio online) informar aos visitantes sobre produtos alternativos que possam atendê-lo melhor ou mesmo incluir um “Amazon Indica” no anúncio, afinal a Amazon deve saber mais do que eu, não é?

Escassez. Temos uma aversão à perda, especialmente quando algo parecia abundante e derrepente fica escasso. Isso faz com que demos mais importância a algo quando vemos que tem poucas unidades restantes ou que seu acesso vai se encerrar logo ou mesmo quando se trata de uma informação escassa (“deixa eu te contar algo, mas não conta a ninguém”). O autor levanta a possibilidade de que talvez essa aversão à perda seja um aspecto adaptativo da sociedade:

“Se alguém tem o suficiente para sobreviver, um aumento de recursos é útil, mas uma redução nesses mesmos recursos pode ser fatal. Consequentemente, seria um aspecto adaptativo ser especialmente sensível à possibilidade de perda (Haselton & Nettle, 2006)"

Talvez por isso mesmo seja também o recurso mais explorado de todos e, acho que por esse mesmo motivo, quando percebo é o que mais desperta uma rejeição minha. Prédios ainda no começo de sua construção já exibem faixas de “útlimas vagas”; basta você por o pé na loja que as unidades dos eletrodomésticos se esgotam e aquele que você gostou “é o último à venda”, “é agora ou nunca”; “desculpe senhor, mas só temos uma unidade do carro dessa cor que você quer e temos um outro cliente em negociação, se quiser esperar talvez ele desista”. As variações são diversas. No comércio online, isso aparece muito ao destacar os itens com estoque baixo (número limitado) e/ou incluir um relógio fazendo contagem regressiva da oferta (tempo limitado).

Compromisso e Coerência. A maioria das pessoas apresentam um desejo de ser e parecer coerentes com suas palavras, crenças, atitudes e feitos. Ser coerente é valorizado pela sociedade tanto por ser benéfico para dar previsibilidade e sentido como para ajudar a tomar decisões mais rápido diante da complexidade das nossas vidas. Exemplos: (comércio físico) num mistura de escassez com compromisso e coerência alguns vendedores utilizam a abordagem de “se eu encontrar no estoque, posso fechar a compra?”. Se disser sim, é quase certo que ele “magicamente” vai encontrar no estoque.

Unidade. As pessoas dizem sim para alguém que consideram como “uma de nós”. Essa percepção é gerada por associações de parentesco e lugar. Comércios locais, de um bairro ou de um estado, que reforçam sua identidade e a de seus produtos com o local onde estão baseados podem disparar o sentimento de “nós” aumentando as vendas naquele público. Exemplo: uma loja em Pernambuco que vende arte com gírias específicas do estado ou enaltecendo-o.

Minha primeira conclusão pessoal foi: criei uma aversão à vendedores porque a maioria tenta usar, de forma manipuladora, mecanismos evolutivos e adaptativos contra mim mesmo. Algo que o autor mesmo comenta pessoalmente tentar desmascarar com afinco quando descobre que mentiram pra ele.

Minha segunda conclusão: Sim, dá pra anunciar um produto ou serviço e ser honesto no processo.


Um caminho de honestidade

A regra basicamente é: não simule algo só para se utilizar de um recurso, encontre no seu negócio algo verdadeiro para anunciar. Você não só não mente ou manipula as pessoas como pode ser visto como uma fonte confiável de informação, algo que por si só pode atrair clientes pelo princípio da autoridade.

Pelo princípio da reciprocidade, um capítulo grátis de um livro pode até ser visto como forma de presente e manipulação, mas se feito com objetivo correto também informa o consumidor do tipo de escrita que você usa, como é sua narrativa e talvez até entregue algum insight legal naquele mesmo capítulo. Se você dá uma “amostra grátis” do seu produto com intuito de apresentar as qualidades e colher feedback, não há porque achar que isso é manipular as pessoas.

Os seus itens “mais pedidos” são realmente os “mais pedidos”? Muita gente está mesmo contratando seu serviço ou você está dizendo isso de forma vazia como atalho pra se dar bem? Se você ainda não tem esses dados melhor não usar a aprovação social no momento, mas se você sabe não há porque não informar.

Não faltam unidades de verdade nem existe limite real de tempo? Não use esse tipo de técnica de escassez. É um desserviço a todos nós que precisamos desses atalhos para viver na loucura da vida moderna ter pessoas e empresas empregando mal ele. No livro, ele traz uma alternativa interessante:

“Como nós podemos usar o poder da escassez? a solução é reconhecer que o princípio da escassez não se aplica apenas ao número de itens, mas também a características e elementos do objeto. […] Identifique uma característica […] que seja única ou tão incomum que não possa ser obtida em mais nenhum lugar ao mesmo preço ou de jeito nenhum. Então, apresente-a ao mercado com honestidade, com base nessa característica e os benefícios conexos que serão perdidos se ela for perdida. Se o item não tiver uma característica assim, pode ter uma combinação única de características […] Nesse caso, a escassez desse conjunto único de características pode ser vendida com honestidade”

Um empreendedor individual ou micro, com óbvias restrições (de espaço, estoque, capacidade de produção e/ou entrega), pode ter que se esforçar para transmitir credibilidade caso queira usar esse recurso sem disparar reações contrárias fortes.

Me senti assim quando, sabendo do espaço limitado da geladeira de casa compartilhada entre família e confeitaria, gostaria de anunciar que só tinha espaço para mais dois pedidos de bolo no Natal. “Últimas vagas?” Foi a única coisa que pensei, mas sem nos conhecer quem acreditaria nisso? Nesses casos, ele comenta que é possível indicar logo no início de qualquer comunicação seus “pontos fracos”, achei mais fácil ler do que fazer 😅.

Não desista, se procurar bem há mais de uma forma de fazer um bom e honesto anúncio.


Todo mundo pode vender?

Dando uma pesquisada rápida, os marketplaces que conectam “gente comum querendo comprar” à “gente comum querendo vender” (no estilo Mercado Livre, Amazon e Ebay) foram fundados a mais de 2 décadas. No entanto, me parece que no contexto da pandemia ocorreu uma mudança comportamental com relação a vendas.

O isolamento social e o uso intenso das redes sociais fez as empresas não só correrem pra se atualizar, mas também dependerem do marketing digital pra sobreviver. Se demanda acompanhar oferta, como acho que aconteceu, também surgiram os diversos cursos e treinamentos em marketing digital além da modernização e popularização de ferramentas para hospedar conteúdo educacional e para se ter lojas virtuais. “Todo mundo pode aprender”, “todo mundo pode vender”.

Não sei dizer se relacionado à isso ou por necessidade mesmo (ou os dois), minha esposa decidiu empreender como confeiteira ano passado. Na escola online que está matriculada, tem um módulo de vendas e o instrutor começa dizendo algo assim:

“Se você tem um produto bom que você mesmo compraria qual o problema de você oferecer para os outros de forma honesta?"

Acho que isso resume pra mim a linha de raciocínio. Sim, não precisamos nos prender aos padrões de vendas agressivas para conseguir vender, não precisamos nos sentir mal em tentar vender algo que produzimos com cuidado e que nós mesmos compraríamos.

Minha irmã mudou da carreira de designer para seguir a paixão por arte e também está tentando viver da venda do que produz. Porque haveria algo de errado nisso? Será que se todos seguíssemos o que realmente gostamos de fazer e vendêssemos isso para quem realmente precisa ou se encanta com aquilo seríamos menos infelizes com nossas vidas profissionais?

Tento fugir dessas questões sobre o que funcionaria para todos e foco no que posso fazer no meu caso. Vender talvez ainda seja uma barreira pra mim, mas apenas pelo desconforto da timidez e falta de prática mesmo e não mais por atribuir algo negativo à atividade.

Eu até “vendi” jornal a muito tempo atrás, mas isso é história para outra conversa.