Duas referências foram muito importantes na minha infância e adolescência no que diz respeito a “quanto trabalhar”. Meu avô foi dono de padaria por mais de 30 anos e lembro bem de acordar cedo na casa dele para brincar com meus primos e ele já ter saído de casa. Às 4h da manhã e ele já havia iniciado a produção de pães e bolachas. Meu pai trabalhou no horário noturno de um banco por mais de 10 anos. Ele saía perto da hora do jantar, voltava cedo pela manhã e dormia, ou tentava dormir, durante o dia.

Analisando esse histórico, não me estranha ter tido meus próprios momentos de exagero na carreira. Jornada de 10 – 15 horas no dia, trabalhar final de semana e/ou virar a noite para finalizar entregas. O que me estranhou foi recentemente me ver exausto, sem energia ou foco para trabalhar numa rotina muito mais branda em quantidade de horas. O que poderia ser?

Um “clique” veio ao assistir um trecho de uma entrevista com o filósofo Mário Sergio Cortella sobre a diferença entre cansaço e estresse. Resumidamente ele fala:

“Cansaço resulta de um esforço intenso. Estresse resulta de esforço que você não queria fazer ou que você não entende porque devia estar fazendo. Dançar a noite inteira, cansa, mas não estressa. […] O que estressa é aquilo que a gente não está entendendo a razão. […] segunda-feira, 6h da manhã, toca o despertador. Você quer dormir mais um pouco? É cansaço. Você não quer levantar? É estresse”.

O “cansaço” negativo, como descrito pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, é aquele que deprime. Depressão essa proveniente da auto-exploração, do fracasso em ser nós mesmos. Será que o “cansaço” de Byung-Chul Han é o “estresse” do Cortella? Se não entendemos ou não nos conectamos com o motivo por trás das dificuldades enfrentadas, estaríamos falhando em ser nós mesmos nos mantendo naquele caminho? Até então não entrava na minha cabeça trabalhar pouco e ainda assim está estressado.

Em terapia, a psicóloga comentou que existe uma discussão na área de psicologia sobre quantas horas de trabalho ou quantos atendimentos num dia é possível um terapeuta fazer sem que isso comece a afetar seu desempenho e até sua saúde. Cada psicólogo vai ter um limite e certamente casos mais difíceis tomarão mais energia dele. Lidar com conflitos, escutar pessoas, acolhê-las, tentar entender o problema e sugerir caminhos alternativos pode sobrecarregar a mente e o emocional.

Pense comigo, essas atividades não são restritas aos psicólogos, certo? Talvez na psicologia a intensidade e extensão desses encontros esteja clara, mas não existe só nela. Em que outras funções ou profissões é preciso lidar com essas coisas? Certamente vejo uma conexão com o papel de líder que exerço, mas não pretendo entrar nesse mérito agora. Me basta entender no momento que não há relação direta entre horas trabalhadas e estresse. É perfeitamente possível ficar estressado e sem energia com um único encontro ou atividade problemática, ou sem propósito.

Assim sendo, quais sinais e sintomas devemos ficar atentos? Pelo que entendi alguns dos mais comuns seriam: dificuldades de concentração, insônia, alterações repentinas de humor, fadiga física e/ou mental, problemas gastrointestinais, alterações bruscas de peso. Alguns desses nem sempre conectamos com estresse, não é? Qual o limiar disso com a Síndrome de Burnout? Aí deixo para os profissionais.

Se você se ver com algum desses, saiba que descanso pode não curar o que está sentindo. Uma pausa seguida de mudança de rota, talvez. Entender nesse processo o que está te fazendo ficar infeliz. “Um trabalho é cansativo, mas ele não pode te infelicitar” como dito por Cortella. Não devemos aceitar a banalização do estresse também, esteja ela disfarçada como uma habilidade que você precisa desenvolver ou mesmo incentivada pela promessa de mais dinheiro.