Uma prática que iniciei em março/22, e intensifiquei com a terapia, é a de escrever no caderno perguntas e não respondê-las. Comecei primeiro a escrever pensamentos corridos que estavam me incomodando, um exemplo de que como isso me ajudou registrei aqui. Depois fui introduzindo perguntas, sem tentar respondê-las. A ideia é de que provavelmente não existe só uma resposta para minhas dúvidas e incômodos e que deixar em aberto poderia me ajudar a refletir outros pontos de vista. Recentemente descobri outro benefício dessa prática que é facilitar o caminho entre a memória permanente e a memória de trabalho.

Um trecho do livro Lifelong Learners do Conrado Schlochauer (pág. 81) explica bem a diferença entre às duas:

“A memória de trabalho equivale a uma memória RAM no computador, que deixa disponível aquilo de que estamos precisando para realizar a tarefa do momento. Ela é muito pequena. Por isso é muito difícil, por exemplo, decorar dois ou três números de telefones, ou fazer de cabeça uma multiplicação como 127 x 13. Naturalmente, utilizamos técnicas simples para ajudar nossa memória de trabalho. Ficamos repetindo o número de telefone sem parar até ter acesso a um local para anotá-lo, por exemplo. Somos ainda capazes de criar extensões do nosso cérebro. Usamos papel e caneta para fazer a conta ou um celular com agenda para guardar os números telefônicos para nos apoiar em atividades nas quais a memória de trabalho não dá conta.

A memória permanente é o disco rígido do cérebro. É lá que estão guardados os conhecimentos que ajudarão a resolver problemas, interagir ou trabalhar. O segredo do aprendizado é tornar acessível o conhecimento obtido por experiências, conteúdos e emoções. No momento necessário, idealmente, ele será transferido para a memória de trabalho e teremos acesso consciente a ele.”

O que isso tem a ver com terapia? “A ideia mais fundamental no coração da psicoterapia moderna é que, para nos curarmos de nossas neuroses no presente, temos que entender o que aconteceu em nossas infâncias." é assim que se inicia o artigo de “auto-arqueologia” da The School of Life.

No entanto, lembrar da infância não é uma tarefa fácil. O cotidiano e até mesmo os momentos marcantes da infância muitas vezes estão arquivados com “chaves” muito específicas na memória permanente. Essa semana lembrei da vez que, ainda adolescente acho, chorei na mesa do jantar ao saber que a família toda comeria pizza, exceto eu, pois estava numa crise de amigdalite e não conseguia engolir nada sólido. Essa lembrança me veio, e talvez não conseguisse de outra forma, quando a terapeuta comentou que uma de suas filhas estava passando por algo similar em sua própria crise de amigdalite.

Já num outro tópico da minha infância estava com muita dificuldade de lembrar uma interação específica com minha mãe. Isso estava me preocupando, pois minha impressão geral não era boa e não queria ser injusto. Escrevi no caderno a pergunta no estilo “será que foi assim mesmo?” e deixei lá, sem saber ainda se conseguiria mudar minha percepção. Alguns dias depois, sem ter retornando a esse assunto no período, uma lembrança positiva veio. Um alívio e também um passe livre para continuar “escavando esse terreno instável” sem culpa.

De uma maneira mais ampla, acredito que resistir a tentação de responder perguntas de imediato, deixar experiências e conhecimentos prévios se conectarem e virem a tona para fazermos bom uso deles é uma habilidade importante não só como profissional, mas também como pessoa. Definitivamente está na minha lista de “habilidades para vida”.