Gosto bastante de café. Comecei a tomar quando trabalhava à noite no setor de compensação de cheques do banco após um dia inteiro na faculdade. Era uma necessidade. Tá certo que os primeiros estavam mais para açúcar, leite e café, nessa ordem de concentração. O paladar se ajustou com o tempo na direção do puro sem açúcar, mas o hábito de tomar café para me concentrar, esse, permaneceu quase inalterado.

A idade vem para todos e depois dos 30 é complicado manter certos exageros.😅 Percebendo uma maior sensibilidade ao consumo de café, especialmente impactando à qualidade do meu sono, fui fazendo minhas adaptações.

Limitei horários, evitando café depois das 16h ou mesmo à tarde; limitei quantidades, evitando passar das 2 xícaras por dia; passei a substituir 1 das xícaras por café com alguma gordura de qualidade (manteiga ghee e/ou TCM) na tentativa de entregar cafeína mais lentamente e reduzir a necessidade da 2ª ou 3ª xícara [1 e 2]. Em outras situações, principalmente quando adoecia e sintomas como enjoo ou dor de estômago estavam presentes, até fiz a escolha de não tomar café algum por alguns dias seguidos (entre 5 a 15 dias). Ou seja, fiz o que estava no meu alcance.

Após experimentar alguns desses jejuns, o último bem recente, reconheço com humildade e clareza agora que há sim uma conexão entre o café e minha ansiedade, ou pelo menos na sua intensidade. Cafeína é o estimulante do sistema nervoso central mais consumido do mundo [3] e a já se sabe os males que a ingestão excessiva pode causar [4]. Só não imaginava que mesmo em doses baixas eu poderia sentir esses efeitos e talvez isso até indique uma pré-disposição individual minha [5].

Além disso, existem evidências suportando que a saúde da microbiota e mucosa intestinal estão interligadas a saúde do sistema nervoso [6 e 7]. Isso pode ser outro agravante no meu caso, pois lido exatamente com intolerâncias e sensibilidades alimentares possivelmente relacionados à desequilíbrios crônicos na saúde intestinal.

Seria o fim do café para mim?


O outro lado

O problema é que o Rodrigo sem café é um Rodrigo menos pensante de forma geral. Faço menos ligações entre conhecimentos, leituras, experiências prévias e áreas distintas. O que significa também que escrevo menos e atuo menos nos meus projetos pessoais.

Isso me lembra do Michael Pollan, autor do livro Cooked e série documental da Netflix com mesmo nome, falando do período que passou 3 meses sem café:

“Foi muito difícil, umas das coisas mais difíceis que fiz. […] Eu não conseguia escrever […] Não conseguia me concentrar […] Não me sentia eu mesmo durante todo o tempo e pensava ‘o que isso significa?’. Isso significa que nosso eu é cafeinado e essa é a base da consciência para mim e para muitas pessoas”, numa tradução livre de suas palavras no podcast do Joe Rogan [8]

O livro dele tem um capítulo dedicado à cafeína e como sua descoberta afetou a história do ocidente e do capitalismo, já coloquei na minha lista [9]. O “Coffee Break” não está aí a toa.

Talvez alguns consigam obter o mesmo nível de concentração sem cafeína. Uma boa noite de sono, alimentação e exposição ao sol adequada, uma rotina de exercícios, etc. Não duvido, mas não sei se sou essa pessoa ou se consigo manter todas essas variáveis no trilho a ponto de não precisar de cafeína. Também não acredito que uma coisa anula a outra.

Provavelmente continuarei tomando meu café ciente dos seus efeitos, acolhendo minha ansiedade quando ela surgir, fazendo jejuns quando julgar que devo, melhorando meus hábitos e métodos para depender menos da cafeína na medida do possível e regulando minhas expectativas.

Afinal, não existe equilíbrio e tá tudo bem.


Estudos citados

  1. Should You Add Butter to Your Coffee? (Myths vs. facts)<https://www.healthline.com/nutrition/butter-coffee#myths-vs-facts>
  2. What It’s Like To Drink Bulletproof Coffee Every Morning For Two Weeks<https://www.fastcompany.com/3034539/what-its-like-to-drink-bulletproof-coffee-every-morning-for-two-weeks>
  3. Institute of Medicine (US) Committee on Military Nutrition Research. Caffeine for the Sustainment of Mental Task Performance: Formulations for Military Operations. Washington (DC): National Academies Press (US); 2001. 1, Basic Concepts.<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK223799/>
  4. Murray A, Traylor J. Caffeine Toxicity. 2022 May 5. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan–. PMID: 30422505.<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30422505/>
  5. Broderick P, Benjamin AB. Caffeine and psychiatric symptoms: a review. J Okla State Med Assoc. 2004 Dec;97(12):538-42. PMID: 15732884.<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15732884/>
  6. Wang HX, Wang YP. Gut Microbiota-brain Axis. Chin Med J (Engl). 2016 Oct 5;129(19):2373-80. doi: 10.4103/0366-6999.190667. PMID: 27647198; PMCID: PMC5040025.<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27647198/>
  7. Pellegrini C, Antonioli L, Colucci R, Blandizzi C, Fornai M. Interplay among gut microbiota, intestinal mucosal barrier and enteric neuro-immune system: a common path to neurodegenerative diseases? Acta Neuropathol. 2018 Sep;136(3):345-361. doi: 10.1007/s00401-018-1856-5. Epub 2018 May 24. PMID: 29797112.<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29797112/>
  8. What Michael Pollan Learned from Quitting Caffeine for 3 Months<https://www.youtube.com/watch?v=mAPG18zNtXk>
  9. Cozinhar: uma história natural de transformação - Michael Pollan<https://www.amazon.com.br/Cozinhar-uma-hist%C3%B3ria-natural-transforma%C3%A7%C3%A3o-ebook/dp/B00LCHMAB2>